Teve lugar, entre 12 e 27 de novembro de 2019, a 40ª sessão da Conferencia Geral da UNESCO. O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, fez a declaração de abertura de Portugal no Debate de Política Geral, na manhã do dia 13 de novembro. O discurso foi proferido em português e traduzido simultaneamente para as demais línguas oficiais da Conferencia Geral.

 

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Veja aqui a intervenção completa:

Acesse aqui o vídeo.

“Exmo. Senhor Presidente,

Exma. Senhora Directora-Geral,

Caras e caros Colegas, Minhas senhoras e meus senhores,

A apropriação social do conhecimento convoca hoje todas as nossas sociedades. Não há

desenvolvimento social ou crescimento económico, sem que haja a base social de apoio da  educação, da ciência e da cultura se reforce e se alargue. Em todo o lado é assim porque o recrutamento para o conhecimento apenas é possível através de um processo renovado de confiança e interesse por parte das novas gerações.

Partilhar com os outros a sede de saber, e fazer com eles o difícil e permanente caminho da experiência tem sido o papel principal da Unesco que temos de continuar a apoiar e a reforçar.

Inicio assim esta comunicação com uma manifestação de apoio e de compromisso com a UNESCO e com a estratégia traçada para os próximos anos, centrada numa melhor integração no sistema das Nações Unidas, no âmbito do processo de transformação estratégica em curso.

Permitam-me que vos relembre Homero e a viagem de regresso de Ulisses a casa, a qual é também a Odisseia do conhecimento: a obrigação de uma nova viagem, estimulando e recriando a memória, construindo as lições da experiência e colocando à prova o conhecimento anterior que logo se esquece e se supera.

Sabemos bem hoje que todos os processos de apropriação de conhecimento talvez possam seguir esta metáfora antiga: uma viagem, um regresso, uma nova partida.

Mas hoje vivemos novos desafios e grandes oportunidades. O processo acelerado de transição  digital induzido pelo crescimento explosivo da internet e das redes sociais nelas suportadas, juntamente com uma crescente e exigente mobilização de esforços para fazer face às alterações climáticas que a todos nos afetam e à necessidade de estimular o desenvolvimento económico, reduzindo as desigualdades que continuam a afectar as nossas sociedades, exigem a procura crescente de novos conhecimentos para incorporação em processos de decisão. São fenómenos emergentes que obrigam a rever e possivelmente a ampliar os modos de produção, apropriação e difusão de conhecimento.

Sabemos bem que as condições de contextualização do conhecimento para a sua apropriação ganham especial acuidade na escola, onde a democratização do acesso à educação se acompanha frequentemente de uma margem elevada de abandono, rejeição e insucesso, reveladores de uma dificuldade de socialização e de aceitação dos modos de aprendizagem disponíveis.

Sabemos ainda que a contextualização dos saberes desafia não só a escola, mas também as instituições científicas e culturais, assim como a possibilidade de formação generalizada de cultura científica e técnica.

Vemos assim o fenómeno social dos riscos públicos que emergem, designadamente em associação com as alterações climáticas e o seu impacto na qualidade de vida das nossas populações, essencialmente como uma tremenda oportunidade de motivação para o conhecimento e para a participação cívica de todos na difusão dos saberes.

É claramente uma oportunidade para o desejo de saber e de dar a saber, para a formação de práticas democráticas de debate, questionamento e participação fundamentada nas decisões.

A transição digital e o impacto nas sociedades através dos avanços nas formas de processar quantidades massivas de informação, designadamente através de métodos de Inteligência Artificial, traz-nos diariamente a evidência de um mundo crescentemente complexo em termos sociais, tecnológicos e relacionais. Tem ainda conduzido a um aumento exponencial da incerteza e de contextos de grande vulnerabilidade, pelo que esta consciência de múltiplas dissonâncias e perplexidades é simultaneamente um convite à aprendizagem e re-avaliação da própria natureza do conhecimento humano.

Os enormes desafios da última década, bem como os desafios que se prefiguram - culturais, históricos, sociais, económicos, mediáticos - convidam ao desenvolvimento de competências partilhadas, de redes participativas e novas aceções de mais-valia criativa, desmontando e exigindo a reformulação de paradigmas antigos de autoria, território, património, competência e solidariedade. E aqui faço uma referência especial ao reforço dos contextos para uma ciência cada vez mais aberta.

No centro destes desafios está uma nova consciência do mundo de hoje: futuros de incerteza, contextos de crescente vulnerabilidade, reequacionamento de modos de conhecer e produzir as realidades coletivas. Num aparente paradoxo, estes territórios projetivos de incerteza e estas comunidades vulneráveis poderão vir a ser a chave para o emergir de um tecido social mais saudável.

Exige certamente promover saberes, assim como estimular mecanismos de “protecção social" dos mais fracos, o que leva á necessidade de perceber e promover o estudo e o apoio á conceção de politicas públicas orientadas para futuros de incerteza, dando enfâse a lugares de vulnerabilidade.

Foi neste sentido que Portugal está fortemente empenhado em Iniciativas de Conhecimento para o Desenvolvimento, incluindo a dinamização “Centro para a Formação Avançada de Cientistas oriundos de países de língua portuguesa”, um Centro estabelecido sob os auspícios da UNESCO, para capacitar instituições em África, apoiando a formação avançada de recursos humanos, a aquisição de novas competências e contribuindo para combater a “fuga de cérebros”, fortalecer o tecido empresarial local e desenvolver novas formas de cultura científica.

Senhor Presidente, Excelências,

Quero deixar claro que Portugal apoia os esforços da UNESCO no debate ético sobre a Inteligência Artificial e o seu envolvimento na elaboração de recomendações sobre a partilha aberta do conhecimento.

Precisamos de ser ambiciosos e de colocar a UNESCO na primeira linha do multilateralismo, tal como o secretário-geral das Nações Unidas aqui recordou ontem — a defesa de um mundo multipolar e de um multilateralismo inclusivo, capaz de lutar contra o racismo e a intolerância, de proteger o planeta e de utilizar o conhecimento para combater as desigualdades e as fracturas sociais e económicas.

Neste contexto, termino com uma referência explícita para os seguintes aspetos de grande importância:

  • A proposta de proclamação pela UNESCO do Dia Mundial da Língua Portuguesa, que pretende ser uma afirmação do multilinguismo e da diversidade linguística no mundo;
  • A Conferência Europeia das Humanidades, que terá lugar em Portugal, no primeiro semestre de 2021, durante a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, com organização conjunta com a UNESCO.

Gostaria ainda de vos convidar para estarem presentes amanhã, pelas 18h30, no evento de alto nível, que organizamos em conjunto com o Quénia e a Comissão Oceanográfica

Intergovernamental, sobre a Década das Ciências Oceânicas para o Desenvolvimento Sustentável, bem como para participarem na Segunda Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, que se realizará em Lisboa no próximo ano.

Muito obrigado pela Vossa atenção.”

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